Linguagem, Pensamento e Ação: Como Adquirimos e Como Ela Molda o Comportamento Humano
A linguagem é muito mais do que apenas um conjunto de sons ou símbolos; é a ponte que liga nosso mundo interior ao universo social. O estudo de sua aquisição não é apenas uma área da Linguística, mas um campo fascinante que revela a própria essência do comportamento e do desenvolvimento humano.
Mas, afinal, como a linguagem se relaciona com a forma como agimos, aprendemos e nos comportamos?
1. A Linguagem como Motor Cognitivo (Vygotsky)
As grandes teorias da aquisição da linguagem se dividem em como a mente humana processa e usa essa ferramenta. Uma das perspectivas mais influentes, a Sociocultural, defendida por Lev Vygotsky, define a linguagem como o principal instrumento de mediação do ser humano.
O Impacto no Comportamento:
Organização do Pensamento: A linguagem pega o fluxo caótico do nosso pensamento e o força a se tornar linear e lógico. Ao falar ou escrever, somos obrigados a estruturar nossas ideias em frases coerentes, o que, por sua vez, organiza o próprio raciocínio.
Regulação do Comportamento: Vygotsky notou que a criança usa a fala egocêntrica (falar sozinha) para planejar e guiar suas ações. No adulto, essa fala se internaliza no discurso interior, que é essencial para o nosso planejamento, resolução de problemas e autocontrole. Em essência, falamos para nós mesmos para nos comportarmos de forma organizada.
2. A Natureza Inata e a Capacidade Universal (Chomsky)
Contrastando com a visão social, a perspectiva Inatista de Noam Chomsky defende que a capacidade de adquirir linguagem é uma dotação biológica. O ser humano nasce com um Dispositivo de Aquisição da Linguagem (DAL), um programa inato que contém os princípios universais de todas as línguas.
O Impacto no Comportamento:
Criatividade Linguística: A capacidade inata explica por que as crianças são capazes de produzir frases que nunca ouviram antes. Essa competência (o conhecimento internalizado das regras) garante que o comportamento linguístico humano seja criativo e produtivo, diferenciando-o da simples repetição ou condicionamento.
Comportamento Social Padronizado: A Gramática Universal sugere que o comportamento linguístico, embora variado nas línguas específicas, é estruturalmente uniforme em sua profundidade. Essa uniformidade biológica permite a coesão social e a comunicação complexa em todas as culturas humanas.
3. A Interação e a Construção do Mundo (Piaget)
Para Jean Piaget, a linguagem é uma manifestação do desenvolvimento cognitivo. O pensamento (as estruturas mentais) deve se desenvolver primeiro para que a linguagem possa ser adquirida.
O Impacto no Comportamento:
Comportamento Simbólico: A aquisição da linguagem ocorre quando a criança atinge a capacidade de representação simbólica (por volta dos 2 anos), que também se manifesta no jogo simbólico e na imitação. O comportamento, antes restrito à ação física (sensório-motor), se torna mediado por símbolos mentais.
Egocentrismo e Socialização: O estágio inicial da linguagem, marcado pelo egocentrismo, reflete a dificuldade da criança em adotar o ponto de vista do outro. O desenvolvimento cognitivo e social subsequente permite que a criança use a linguagem de forma mais cooperativa, refinando seu comportamento social e comunicativo.
Conclusão: Um Laço Indissolúvel
Seja como um programa inato, um instrumento de organização mental, ou um reflexo do nosso desenvolvimento cognitivo, a linguagem é o alicerce do comportamento humano.
Ela nos permite:
Planejar o Futuro: Usamos a linguagem para verbalizar metas complexas.
Aprender e Ensinar: A linguagem (verbal e escrita) é o veículo de toda a cultura e conhecimento.
Regular as Emoções: Falar sobre o que sentimos ajuda a organizar e processar a experiência emocional.
Em última análise, entender a aquisição da linguagem é entender como a interação social se transforma em estrutura mental, permitindo-nos ser seres complexos, pensantes e socialmente integrados. É no ato de falar, ouvir e interagir que a essência da nossa humanidade é forjada e mantida.
REFERÊNCIAS DE ESTUDOS
II. Referências Brasileiras e da Psicologia Linguística (Interacionismo Social e Discurso)
Essas obras são essenciais para entender a mediação linguística e o seu uso no contexto brasileiro, frequentemente aplicadas à educação e ao comportamento:
Geraldi, João Wanderley. O Texto na Sala de Aula: Leitura e Produção. (Aborda as três concepções de linguagem, sendo a interação social a principal).
Del Ré, Alessandra (Org.). Aquisição da Linguagem: Uma Abordagem Psicolinguística. (Reúne diversos artigos que cobrem as diferentes perspectivas e mecanismos de aquisição).
Bakhtin, Mikhail. Estética da Criação Verbal e Os Gêneros do Discurso. (Embora não se concentre diretamente na aquisição, sua teoria sobre a enunciação e a interação dialógica é fundamental para a concepção social e dinâmica da linguagem que molda o comportamento).
III. Artigos e Estudos Científicos (Tópicos Avançados)
Para pesquisas mais específicas, procure artigos científicos em periódicos com foco nas seguintes temáticas:
A Regulação do Comportamento: Pesquisas que se aprofundam na função da fala privada (fala egocêntrica de Vygotsky) em crianças e como o discurso interior (autoinstrução) atua na autorregulação do comportamento em adultos.
Modularidade da Mente: Artigos que comparam a visão modular da linguagem (Chomsky/Pinker) com abordagens mais integradoras, buscando as bases neurais da linguagem e seu impacto nas funções cognitivas.
Mediação da Linguagem: Estudos sobre como a interação mediada (professor-aluno, cuidador-bebê) em contextos específicos (ex: sala de aula, berçário) influencia a velocidade e a qualidade da aquisição da linguagem e, consequentemente, o desenvolvimento social e cognitivo da criança.
Desenvolvimento da Função Semiótica: Estudos piagetianos mais recentes que exploram a relação entre o surgimento da função simbólica (que inclui a linguagem) e o desenvolvimento da inteligência representativa e do comportamento.
Periódicos Relevantes no Brasil:
DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada (SciELO)
Psicologia: Reflexão e Crítica (SciELO e Pepsic)
Cadernos de Pesquisa (FCC)
Revistas de Programas de Pós-Graduação em Linguística e Psicologia.
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